A pandemia obrigou as pessoas a passar mais tempo em casa e, com a volta ao trabalho e estudo presencial ou em modelo híbrido, ainda afeta a forma como os imóveis são vistos.
Segundo empresários do ramo imobiliário, tendências que ganharam força com o isolamento social -como a valorização do espaço e do conforto, o maior uso de tecnologia em casa e a preocupação com sustentabilidade- seguem importantes para 2022.
Uma delas é o diferencial de ter um imóvel amplo ou ao menos bem dividido, com espaço para descansar, fazer atividades físicas, trabalhar, comer e dormir. Ter uma varanda ou, ainda melhor, um terraço, continua sendo um diferencial buscado por muitos compradores.
“Valem ainda todas as considerações que a pandemia trouxe, de busca de qualidade de vida e de ambientes mais arejados e ventilados. Isso não tem a ver com tamanho”, afirma Cyro Naufel, diretor institucional da imobiliária Lopes.
Casas seguem com procura alta nas imobiliárias, principalmente dentro de São Paulo, em contraste com a corrida por imóveis no interior e no litoral que ocorreu até meados deste ano.
“O trabalho, mesmo híbrido, você consegue fazer a distância, mas a escola presencial fez com que as famílias começassem o movimento de retorno para sua moradia em São Paulo”, avalia Naufel.
A personalização dos apartamentos também deve ganhar força no próximo ano, para que os compradores possam morar em um ambiente mais adequado às suas necessidades -como se tivessem construído uma casa.
A incorporadora Paes & Gregori, por exemplo, lançou dois empreendimentos com uma área que pode ser transformada em diversos ambientes, de adega a escritório ou lavabo.
“Já no lançamento definimos para o cliente como um espaço multiúso, que poderia ser adaptado depois”, afirma Guilherme Gregori, diretor-executivo da empresa.
A companhia também permite, em algumas unidades, que o comprador escolha se prefere uma cozinha tradicional ou com ilha, já deixando as instalações do cômodo adequadas para as duas opções.
Para Marcello Romero, diretor-executivo da imobiliária Bossa Nova Sotheby’s, a busca por mais espaço leva a um novo segmento que tem ganhado força na cidade, de condomínios pequenos (com 6 a 12 casas) em bairros como Jardim Guedala, Morumbi e Butantã, que conciliam o conforto e a privacidade das casas com o reforço da segurança.
“Era algo muito difícil de se ver em São Paulo, mas agora vários incorporadores estão voltando sua atenção para esse tipo de produto”, afirma.
“Vamos ver, nos próximos anos, um processo profundo de transformação de bairros de residências horizontais, os incorporadores compram duas ou três casas e fazem condomínio fechado.”
Quem comprou imóvel em condomínios de alto padrão no interior a partir do final de 2020 pagou um preço elevado -em maio, as imobiliárias especializadas falavam em valorização de 200%-, mas pode não conseguir vender pelo mesmo valor, se tentar se desfazer do bem agora.
“Os imóveis do interior me preocupam um pouco, acho que houve uma superavaliação em algumas situações. Estava fácil vender a qualquer preço, e é algo que já não está mais nessa velocidade”, diz Marco Tulio, diretor-executivo da Esquema Imóveis.
A volta da preferência por um imóvel bem localizado é uma das tendências para 2022.
Como conta Ricardo Pajero, gerente comercial da incorporadora MAC: quem se acostumou a acordar meia hora antes de começar a trabalhar durante o período de home office total não quer mais perder horas no trânsito para chegar ao escritório.
Imóvel bem localizado não precisa ser aquele que fica nos bairros mais caros e centrais, mas que está perto do trabalho do morador e tenha acesso fácil aos meios de transporte, como metrô, corredores de ônibus ou avenidas.
“Localização sempre foi fator predominante na escolha do imóvel, mas ganhou outros pontos na pandemia, porque as pessoas se acostumaram a ter mais qualidade de vida no home office”, diz.
Nos lançamentos de estúdios da empresa, o cuidado com a localização é redobrado, para que o produto continue atrativo aos investidores, mesmo com o aumento da taxa de juros, que torna a renda fixa mais rentável.
Com boa localização, a necessidade de usar transporte individual é menor, e isso já se reflete na quantidade de vagas para carros nos empreendimentos. Eduardo Fischer, diretor-executivo da MRV, conta que seus lançamentos estão saindo com menos espaço para carros, algo que começou a ser feito em São Paulo, seguindo o Plano Diretor de 2014, que limitou a quantidade de vagas em áreas bem
servidas por transporte público, e chega agora a outras partes do país.
“Estamos desenhando projetos que vão ficar prontos em três ou quatro anos e podem encontrar outro mundo, onde você tem cada vez mais forte a ideia de não ter carro”, diz.
Uma alternativa apresentada pela incorporadora é ter veículos para locação disponíveis em seus empreendimentos da marca Luggo, que são exclusivos para aluguel.
Outro reflexo da pandemia: várias atividades do dia a dia passaram a ser feitas virtualmente, de casa, o que exige boa conexão com a internet. Nesse período também cresceu a adoção de assistentes virtuais, como a Alexa, da Amazon, que permite controlar itens automatizados.
Nesse cenário, ter uma boa infraestrutura de conectividade é essencial, e pode ser um diferencial para as vendas, diz Gustavo Favaron, presidente global do GRI Club, clube de relacionamento do setor.
“Antigamente você tinha casa com ponto de internet na sala e, às vezes, no quarto. Hoje em dia é muito comum haver um cabo de internet na cozinha e também no escritório, com velocidade mais rápida.”
A automação residencial está deixando de ser voltada apenas para o alto padrão, e os imóveis precisam facilitar esse processo. Prédios lançados hoje, que ficarão prontos em três ou quatro anos, por exemplo, vão encontrar um mundo ainda mais dependente de conexão veloz. “Uma casa que não é pensada para ter uma boa internet é uma casa que logo vai ser comparada com não ter água na torneira”, diz Favaron.
A tecnologia chega com força não só dentro das unidades, mas também fora delas, nas áreas comuns dos condomínios. Sistemas que liberam a entrada de moradores por reconhecimento facial e biometria já são comuns e chegam a todos os padrões de prédios.
Para Angélica Arbex, diretora de marketing e inovação da Lello Condomínios, o velho sistema de um visitante falar com a portaria, que interfona para o morador e só depois tem a entrada liberada, vai ser coisa do passado.
Já existem formas de enviar para o visitante um QR Code, que só pode ser usado por um período definido de tempo. Ao mostrar o código, a entrada é liberada automaticamente e o morador recebe um aviso de que sua visita entrou no prédio.
“A tecnologia que faz você chegar e sair e permite acesso de pessoas que você autoriza, de um jeito mais fluido, vai bombar nos próximos anos.”
Outra adaptação tecnológica vista como tendência é a estrutura para recarga de carros elétricos. E não basta ter um ponto único para todo o prédio ou condomínio de casas.
“É um absurdo fazer edificação hoje que não seja pensada para elétrico, é óbvio que em cinco anos vamos ter muitos carros, tem que ser pensado agora. Se tiver só um ponto para carregar carro elétrico no condomínio, vai dar briga, é complicado”, diz Favaron.
A lista inclui ainda o cuidado com a sustentabilidade. Ter meios de produzir energia e reutilizar água dentro do prédio, além de ser amigável ao ambiente, ajuda a reduzir o valor do condomínio.
“Dá para colocar placas solares na cobertura, em cima da garagem. É possível gerar energia a mais, vender para a concessionária e reduzir custo do condomínio”, afirma o presidente do GRI Club.